Gosto da palavra “fornida”. É uma palavra que diz tudo o que quer dizer. Se você lê que uma mulher é “bem fornida”, sabe exatamente como ela é. Não gorda mas cheia, roliça, carnuda. E quente. Talvez seja a semelhança com “forno”. Talvez seja apenas o tipo de mente que eu tenho.
Não posso ver a palavra “lascívia” sem pensar numa mulher, não fornida mas magra e comprida. Lascívia, imperatriz de Cântaro, filha de Pundonor. Imagino-a atraindo todos os jovens do reino para a cama real, decapitando os incapazes pelo fracasso e os capazes pela ousadia.
Um dia chega a Cântaro um jovem trovador, Lipídio de Albornoz. Ele cruza a Ponte de Safena e entra na cidade montado no seu cavalo Escarcéu. Avista uma mulher vestindo uma bandalheira preta que lhe lança um olhar cheio de betume e cabriolé. Segue-a através dos becos de Cântaro até um sumário - uma espécie de jardim enclausurado -, onde ela deixa cair a bandalheira. É Lascívia. Ela sobe por um escrutínio, pequena escada estreita, e desaparece por uma porciúncula. Lipídio a segue. Vê-se num longo conluio que leva a uma prótese entreaberta. Ele entra. Lascívia está sentada num trunfo em frente ao seu pinochet, penteando-se. Lipídio, que sempre carrega consigo um fanfarrão (instrumento primitivo de sete cordas), começa a cantar uma balada. Lascívia bate palmas e chama:
- Cisterna! Vanglória!
São suas escravas que vêm prepará-la para os ritos do amor. Lipídio desfaz-se de suas roupas - o sátrapa, o lúmpen, os dois fátuos - até ficar só de reles. Dirige-se para a cama cantando uma antiga minarete. Lascívia diz:
- Cala-te, sândalo. Quero sentir o seu vespúcio junto ao meu passe-partout.
Atrás de uma cortina, Muxoxo, o algoz, prepara seu longo cadastro para cortar a cabeça do trovador.
A história só não acaba mal porque o cavalo de Lipídio, Escarcéu, espia pela janela na hora em que Muxoxo vai decapitar seu dono, no momento entregue aos sassafrás, e dá o alarme. Lipídio pula da cama, veste seu reles rapidamente e sai pela janela, onde Escarcéu o espera.
Lascívia manda levantarem a Ponte de Safena, mas tarde demais. Lipídio e Escarcéu já galopam por motins e valiums, longe da vingança de Lascívia.
*
“Falácia” é um animal multiforme que nunca está onde parece estar. Um dia um viajante chamado Pseudônimo (não é o seu verdadeiro nome) chega à casa de um criador de falácias, Otorrino. Comenta que os negócios de Otorrino devem estar indo muito bem, pois seus campos estão cheios de falácias. Mas Otorrino não parece muito contente. Lamenta-se:
- As falácias nunca estão onde parecem estar. Se elas parecem estar no meu campo é porque estão em outro lugar.
E chora:
- Todos os dias, de manhã, eu e minha mulher, Bazófia, saímos pelos campos a contar falácias. E cada dia há mais falácias no meu campo. Quer dizer, cada dia eu acordo mais pobre, pois são mais falácias que eu não tenho.
- Lhe faço uma proposta - disse Pseudônimo. - Compro todas as falácias do seu campo e pago um pinote por cada uma.
- Um pinote por cada uma? - disse Otorrino, mal conseguindo disfarçar o seu entusiasmo. - Eu devo não ter umas cinco mil falácias.
- Pois pago cinco mil pinotes e levo todas as falácias que você não tem.
- Feito.
Otorrino e Bazófia arrebanharam as cinco mil falácias para Pseudônimo. Este abre o seu comichão e começa a tirar pinotes invisíveis e colocá-los na palma da mão estendida de Otorrino.
- Não estou entendendo - diz Otorrino. - Onde estão os pintores?
- Os pintores são como as falácias - explica Pseudônimo. - Nunca estão onde parecem estar. Você está vendo algum pinote na sua mão?
- Nenhum.
- É sinal de que eles estão aí. Não deixe cair.
E Pseudônimo seguiu viagem com cinco mil falácias, que vendeu para um frigorífico inglês, o Filho and Sons. Otorrino acordou no outro dia e olhou com satisfação para o seu campo vazio. Abriu o besunto, uma espécie de cofre, e olhou os pinotes que pareciam não estar ali!
Na cozinha, Bazófia botava veneno no seu pirão.
*
“Lorota”, para mim, é uma manicura gorda. É explorada pelo namorado, Falcatrua. Vivem juntos num pitéu, um apartamento pequeno. Um dia batem na porta. É Martelo, o inspetor italiano.
- Dove está il tuo megano?
- Meu quê?
- Il fistulado del tuo matagoso umbráculo.
- O Falcatrua? Está trabalhando.
- Sei. Com sua tragada de perônios. Magarefe, Barroco, Cantochão e Acepipe. Conheço bem o quintal. São uns melindres de marca maior.
- Que foi que o Falcatrua fez?
- Está vendendo falácia inglesa enlatada.
- E daí?
- Daí que dentro da lata não tem nada. Parco manolo!
Este texto está no livro "O analista de Bagé."
Não posso ver a palavra “lascívia” sem pensar numa mulher, não fornida mas magra e comprida. Lascívia, imperatriz de Cântaro, filha de Pundonor. Imagino-a atraindo todos os jovens do reino para a cama real, decapitando os incapazes pelo fracasso e os capazes pela ousadia.
Um dia chega a Cântaro um jovem trovador, Lipídio de Albornoz. Ele cruza a Ponte de Safena e entra na cidade montado no seu cavalo Escarcéu. Avista uma mulher vestindo uma bandalheira preta que lhe lança um olhar cheio de betume e cabriolé. Segue-a através dos becos de Cântaro até um sumário - uma espécie de jardim enclausurado -, onde ela deixa cair a bandalheira. É Lascívia. Ela sobe por um escrutínio, pequena escada estreita, e desaparece por uma porciúncula. Lipídio a segue. Vê-se num longo conluio que leva a uma prótese entreaberta. Ele entra. Lascívia está sentada num trunfo em frente ao seu pinochet, penteando-se. Lipídio, que sempre carrega consigo um fanfarrão (instrumento primitivo de sete cordas), começa a cantar uma balada. Lascívia bate palmas e chama:
- Cisterna! Vanglória!
São suas escravas que vêm prepará-la para os ritos do amor. Lipídio desfaz-se de suas roupas - o sátrapa, o lúmpen, os dois fátuos - até ficar só de reles. Dirige-se para a cama cantando uma antiga minarete. Lascívia diz:
- Cala-te, sândalo. Quero sentir o seu vespúcio junto ao meu passe-partout.
Atrás de uma cortina, Muxoxo, o algoz, prepara seu longo cadastro para cortar a cabeça do trovador.
A história só não acaba mal porque o cavalo de Lipídio, Escarcéu, espia pela janela na hora em que Muxoxo vai decapitar seu dono, no momento entregue aos sassafrás, e dá o alarme. Lipídio pula da cama, veste seu reles rapidamente e sai pela janela, onde Escarcéu o espera.
Lascívia manda levantarem a Ponte de Safena, mas tarde demais. Lipídio e Escarcéu já galopam por motins e valiums, longe da vingança de Lascívia.
*
“Falácia” é um animal multiforme que nunca está onde parece estar. Um dia um viajante chamado Pseudônimo (não é o seu verdadeiro nome) chega à casa de um criador de falácias, Otorrino. Comenta que os negócios de Otorrino devem estar indo muito bem, pois seus campos estão cheios de falácias. Mas Otorrino não parece muito contente. Lamenta-se:
- As falácias nunca estão onde parecem estar. Se elas parecem estar no meu campo é porque estão em outro lugar.
E chora:
- Todos os dias, de manhã, eu e minha mulher, Bazófia, saímos pelos campos a contar falácias. E cada dia há mais falácias no meu campo. Quer dizer, cada dia eu acordo mais pobre, pois são mais falácias que eu não tenho.
- Lhe faço uma proposta - disse Pseudônimo. - Compro todas as falácias do seu campo e pago um pinote por cada uma.
- Um pinote por cada uma? - disse Otorrino, mal conseguindo disfarçar o seu entusiasmo. - Eu devo não ter umas cinco mil falácias.
- Pois pago cinco mil pinotes e levo todas as falácias que você não tem.
- Feito.
Otorrino e Bazófia arrebanharam as cinco mil falácias para Pseudônimo. Este abre o seu comichão e começa a tirar pinotes invisíveis e colocá-los na palma da mão estendida de Otorrino.
- Não estou entendendo - diz Otorrino. - Onde estão os pintores?
- Os pintores são como as falácias - explica Pseudônimo. - Nunca estão onde parecem estar. Você está vendo algum pinote na sua mão?
- Nenhum.
- É sinal de que eles estão aí. Não deixe cair.
E Pseudônimo seguiu viagem com cinco mil falácias, que vendeu para um frigorífico inglês, o Filho and Sons. Otorrino acordou no outro dia e olhou com satisfação para o seu campo vazio. Abriu o besunto, uma espécie de cofre, e olhou os pinotes que pareciam não estar ali!
Na cozinha, Bazófia botava veneno no seu pirão.
*
“Lorota”, para mim, é uma manicura gorda. É explorada pelo namorado, Falcatrua. Vivem juntos num pitéu, um apartamento pequeno. Um dia batem na porta. É Martelo, o inspetor italiano.
- Dove está il tuo megano?
- Meu quê?
- Il fistulado del tuo matagoso umbráculo.
- O Falcatrua? Está trabalhando.
- Sei. Com sua tragada de perônios. Magarefe, Barroco, Cantochão e Acepipe. Conheço bem o quintal. São uns melindres de marca maior.
- Que foi que o Falcatrua fez?
- Está vendendo falácia inglesa enlatada.
- E daí?
- Daí que dentro da lata não tem nada. Parco manolo!
Este texto está no livro "O analista de Bagé."
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