quarta-feira, 10 de novembro de 2010

O Monge - 2ª Parte: A Bruxa

 
Old Witch/ Velha Bruxa - Dalton Muniz


Estava surpreso ao ver a empolgação de meu jovem amigo, mas logo percebi que não era empolgação, mas tão somente mais uma faceta de sua ansiedade costumeira. Ele temia sermos descobertos, planejava cada visita entre os horários de nossa rígida rotina. Não podíamos ser descobertos, já havíamos sido repreendidos por muito menos, ele queria desistir, mas eu o dissuadi, interpretava os ensinamentos que recebíamos a minha própria maneira, havia coisas que eu questionava, como poderia ser a teoria tão distante da pratica?

Logo estávamos andando por uma trilha em meio a um bosque, tomávamos cuidado para não sermos vistos, e se nos vissem tínhamos já preparados alguns argumentos para explicar o que estaríamos fazendo por ali e o que eram os pacotes e sacos que levávamos.

Andamos algum tempo pela trilha, e depois entramos bosque a dentro, avistamos a pequena casa, batemos a porta e logo fomos atendidos e recebidos com um sorriso amigável. Aquela senhora bem lembrava as bruxas dos contos de fadas,  não pela idade mas pela aparência e maneira de ser. Ela tinha cheiro de ervas envelhecidas, cascas de árvores com limo, um cheiro agridoce de vinho quase avinagrado. Ela era um ser estranho e para mim, fascinante, como se naqueles momentos eu entrasse em contato com algum ser mágico da natureza. O nome que sempre me vem quando me lembro dela é Greta e assim a chamarei. O ambiente que para outros olhos pareceria tétrico e desleixado, para mim já havia sentido, lógico e mágico. A penumbra, as ramos de flores e ervas dependurados em todo o teto, os potes e vasilhas cheios de misturas nas estantes, as cascas e raízes espalhadas sobre a mesa, aqueles aromas.


Ela estava feliz em me ver e tratava-me com respeito e carinho, não ignorava meu amigo, mas a pouca atenção que dava a ele era recíproca, ele apenas queria sair dali o mais rápido possível, e eu poderia ficar ali horas pensando ter passado minutos. Como acontecia quando eu a encontrava na floresta e ela me ensinava sobre sua antiga medicina ou quando ficava por horas fazendo minhas anotações e desenhos das ervas depois dos encontros. Muitas vezes fora repreendido pelos meus atrasos e sumissos.

Como sempre ela já estava com tudo preparado, os frascos com remédios e unguentos todos minuciosamente limpos e lacrados contendo o que nós dois compartilhávamos como tesouros. Conversamos um pouco, não lembro exatamente o que, mas sinto que eram orientações sobre como utilizar o que havia preparado e gentilezas como de uma tia preocupada com o sobrinho, conversas de amigos... Sim eu a considerava uma amiga, mais que isto uma mestra, afinal ela se empenhava em me ensinar tanto quanto meu superior, o abade,  ambos me passavam conhecimentos preciosos. Minha consideração por ela,  não confidenciava ao meu amigo. Acima deles apenas o Mestre Francisco a quem seguia até Jesus e Deus, nos quais depositava toda minha fé e confiança de que estavam me guiando pelo caminho certo, mesmo indo contra a certas leis humanas socias e religiosas, sentia em meu coração estar em harmonia com a vontade de Deus.

Antes de sair, lhe entregamos os pacotes e sacos, vários alimentos, pão, queijo, frutas e um pouco de vinho, ela não o bebia, não todo ao menos, utilizava-o para fazer e conservar algumas tinturas.
Nos despedimos e saímos de lá por outra trilha. Meu amigo que chamarei... Miguel, vinha conversando temeroso, dizia que deveríamos relatar ao abade, o nosso superior, que fazíamos estas trocas e que usávamos aqueles remédios quando visitávamos os enfermos. Eu argumentava que estávamos fazendo um bem para a mulher levando-lhe aqueles alimentos e valorizando uma pessoa que tinha tantos conhecimentos a compartilhar e era menosprezada por todos. Eu estava aprendendo muito com ela, sobre as ervas, quando e como colher, como fazer os remédios e ainda fazíamos o bem para as pessoas que utilizavam os medicamentos. Quantas pessoas já haviam sido curadas? E se o abade nos proibisse de vê-la?  Ela era idosa, como iria sobreviver agora sem a nossa ajuda? 

O pouco que eu sabia não poderia ser útil em doenças que ainda não havíamos tratado, eu ainda tinha muito a aprender com ela, ela precisava de nós e os enfermos de que nós continuássemos a ser intermediários, até que no momento certo pudéssemos reintegrá-la aquela comunidade que a havia banido, quando muitos fossem curados ou talvez a cura de algo muito grave... Deus nos mostraria o momento e o caminho certo. Não! Nada falaríamos, esperaríamos mais um pouco. 

Ele ficou quieto, não indagou mais nada, mas seus olhos revelavam insegurança e dúvida, não quis continuar a discussão, eu estava irredutível, mesmo não concordando, Miguel parecia não ter mais argumentos, ou não queria expô-los diante de minha atitude. De repente  ouvimos uma voz chamando, olhamos para trás e aquela senhora vinha ao nosso encontro com algo nas mãos. Ao nos encontrar, um tanto ofegante, explicou que havia esquecido de nos entregar uma das encomendas, um remédio para dor de dente. Ao mesmo tempo vimos um vulto por detrás das árvores... Agradecemos e nos despedimos rapidamente retomando nosso caminho.


Certa ansiedade nos tomou, começamos a andar mais rápido preocupados que pudéssemos ter sido vistos, nada comentávamos, mas um sabia o que ia dentro do outro. Mais adiante a trilha se alargou e as árvores ficaram mais esparsas e reconhecemos o vulto como uma das aldeãs, uma senhora que, para nossa falta de sorte, provavelmente não compreenderia a cena que presenciou, pois tinha fama de maledicente. Ela estava a alguns metro e nos olhou temerosa, apertando o passo. Cientes da situação delicada em que nos encontrávamos, pensamos em tentar falar com ela, para saber de sua impressão e tentar reverter a situação. A chamamos mas ela nos ignorou e andou ainda mais depressa, apesar de sermos mais jovens, estávamos carregados de sacos cheios de pesados potes e garrafas e só conseguimos alcançá-la já na porta de sua casa, quando ela de repente se virou nos encarando de olhos arregalados e começou a esbravejar absurdos. " Vocês estão possuídos por demônios! O que será de nós se mesmo os monges não estão salvos do mal?! Como poderei frequentar uma igreja que tem servidores do diabo? Levarei minha familia a orar na entrada do inferno?" Fechou a porta batendo com força, mas continuava a gritar e a clamar dentro de casa fazendo alarde. Resolvemos sair dali imediatamente antes que mais alguém aparecesse.
O medo começou a crescer em nós, o advento de um eclipse em minhas esperanças... O que faríamos agora? 



Isabel Batista

Nenhum comentário: