sexta-feira, 23 de fevereiro de 2007

O Tempo e o Amor

Venus Disarming Cupid. Francois Boucher, 1751.


Tudo cura o tempo,
tudo faz esquecer,
tudo gasta,
tudo digere,
tudo acaba.

Atreve-se o tempo a colunas de mármore
quanto mais a corações de cera!

São as feições como as vidas,
que não há mais certo sinal
de haverem de durar pouco,
que terem durado muito.

São como as linhas,
que partem do centro para a circunferência,
que quanto mais continuadas,
tanto menos unidas.

Por isto os antigos sabiamente pintaram
o amor menino;
porque não há amor tão robusto,
que chegue a ser velho.

De todos os instrumentos
com que o armou a natureza,
o desarma o tempo.
Afrouxa-lhe o arco,
com que já não atira;
embota-lhe as setas,
com que já não fere;
abre-lhe os olhos,
com que vê o que não via;
e faz-lhe crescer as asas,
com que voa e foge.

A razão natural de toda esta diferença
é,
porque o tempo
tira a novidade às cousas:
descobre-lhe os defeitos,
enfastia-lhe o gosto,
e bastam que sejam usadas
para não serem as mesmas.

Gasta-se o ferro com o uso
quanto mais o amor!
O mesmo amar é causa de não amar,
e o ter amado muito,
de amar menos.




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